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sábado, 9 de janeiro de 2010
Joelhos de Mel, de Soares Feitosa e meu comentário
Clevane Pessoa
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From: clevane pessoa de araújo lopes
To: Soares Feitosa
Sent: Thursday, March 24, 2005 5:39 PM
Subject: Clevane responde com deslumbramento e...mel...
Soares Feitosa:saiba que seus "papéis", são preciosos.Na última reunião da cooperativa da Estalo (*), correram de mão em mão e tive de tomar cuidado para não ficar sem eles (por ora, já que estou divulgando seu site, o Cururu & tudo mais)... Pediram uns, adoraram a qualidade...
Ando num corre corre louco e só quero deter-me para comentá-los qdo os filhos não precisarem do único bichinho tecnológico da casa... Rss
Talvez nestes feriados, já que um deles vai acampar com la novia... Uma amostra do que penso:
No caso de seus papers, de Aleph à Cosmogonia, tudo é belo e salta em chispas aos nossos olhos. Vc escreve muito bem , com a necessária originalidade da qual tantos declinam, mas tendo a clareza suficiente,decodificado o seu saber...
Joelhos de mel, uma mescla de alegoria com a brutal realidade de um menino que deve colher sangue, a meu ver... A mãe usa de artifícios angelicais... Mistério colocado por você em prosa poética capaz de fazer estremecer rins bíblicos e corações alados,sempres papilonáceos. Meu olhos se brumaram,mas talvez eu tenha errado quanto à cena... Farinha e melado, conheço bem,nordestina que sou,os graus de textura e densidade. Não sei é se o protagonismo desse menino que mexeremexe para adiar um clique de dor, foi colocado apenas para provocar conjeturas ou raladuras na alma... Não sei se é diabético... Quem sabe é o autor...
Um abraço pascal... Bom domingão e obrigada pela prontidão da resposta...:
Clevane Pessoa
(*) Estalo, a revista, de Belo Horizonte.
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Soares Feitosa
Joelhos & mel
Veja, sou doido por mel de engenho, com farinha. Com cuidados porém, que essa mistura tem ciências. O mel não pode ser por demais espesso, nem muito fino; nem a farinha, peneirada, ou por demais caroçuda. Em suma, uma coisa deliciosa, porém cheia de manhas.
Então, o jovem sentava-se à mesa e comia morigeradamente. A mãe vinha com o prato vazio à sobremesa. Ele botava um pouco de mel e, por cima, a farinha. Mexia.
— Mãe, mais mel... está duro demais.
— !
— Mãe, mais farinha, que está muito fino...
— !
— Mãe, mais mel... Mãe, mais farinha... Mãe, mais...
O ritual se repetia, muitas e muitas vezes, até que o prato (a rigor, um alguidar, imenso) completamente cheio de mel com farinha, ele entendia que o "ponto" da mistura estava ótimo.
Quando ele aprontava-se da colher à primeira bocadada, a mãe levantava a mão e, no mesmo silêncio, passava-se-lhe para as costas. Ele já sabia: soltava a colher, já cheia de mel, dentro do prato de mel; jogava as mãos para trás, e ela, num gesto de grande dor (nela, mãe; nele, não), espetava-lhe gentil e rapidamente a polpa de um dos dedos. Sem dizer palavra, conferia, na fita de medir; e, enlaçando-lhe os ombros com as duas mãos, retirava, no maior silêncio, por cima da cabeça dele, o prato transbordante de mel.
Até que, um dia, repetido todo o infinito ritual da sobremesa, ela, em vez de enlaçar-lhe os ombros e puxar-lhe intacto o prato de mel, retornou à mesa, pegou a menor das colherinhas de café, e tocou-a com a parte de baixo no mel com farinha, só o convexo, pelo lado de fora:
— Meu filho, a dosagem está suportável.
E os joelhos de ambos foram insuficientes para tanto amargo.
Ceará, 4.5.2004, de madrugada
in http://www.revista.agulha.nom.br/francisco205.html
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