sábado, 16 de agosto de 2008

Aves em Liberdade



Aves em liberdade


Sim, alimento as pardais e as rolinhas, para elas, essas avezinhas meras, compro canjiquinha, painço, alpiste e dou do meu próprio pão...
Estou aprendendo a linguagem das rolinhas, que têm um código de asas muito interessante. Para guardar território, para espantar, atrair, expulsar.
Minha amiga, a pintora Neuza Ladeira, contou-me que na Tailândia são aves preciosas e sagradas.

Engraçadinhas, dão a impressão de serem meigas, se essa palavra pode ser aplicada às avezinhas. Mas, pelo que observo com meu olhar de desenhista e poetisa, são extremamente belicosas. Levam a luta aos ares, em rodopio. Em vão ponho bocadinhos aqui e outros ali, no beiral de meu terraço. Brigam pra valer... Enfrentam as pombas espaçosas que descem atraídas pelos grãos, bravamente.
E batem nas rolinhas menores, as bebés um pouco menos querelentas. E quando as assusto sem querer, com meus passos em chinelinhos de cetim, voam para os fios em frente e fingem que não estão vigiando a comida. De vez em quando, fazem que olham, quais as mocinhas de antigamente. Assim que sossego, voam de volta.

Os pardais são cheios de algaravia, ainda não lhes descodifico o linguajar. Chiam e chiam. Acordam-me pela manhã. Invadem-me a casa, entram por qualquer cantinho e depois rodopiam desesperados, à procura da liberdade. Já criei - mais ou menos - um pequenino que, machucado, tolerava a minha proximidade. Eu chamava-o de Jeremias, uma graça.
Os menininhos pardais entram pela sala de porta sempre aberta e, pulinho aqui, pulinho acolá, não são muito medrosos do bicho-mulher. Depois que saem para o mundo, à força de serem escorraçados, de se assustarem com os carros que passam, ficam arredios e medrosos...

Há uma família de bem-te-vis, que longe de ter as asas controladas como as das rolinhas, são de uma alegria enlouquecida. Parecem torcedores com pompons nas mãos. Agitam o que podem, rumorosos e encantadores, listinhas amarelas na cabeça e peito de camisa idem...

Claro, coloquei água para os beija-flores. Um dos bebedouros veio com néctar, mas será que é possível colectá-lo com essa facilidade? Misturo um tantico de açúcar Mascavo ou mel. Eles adoram e com precisão enfiam os bicos longos e finos entre o orifício da corola. A flor é de plástico, mas eles parecem não se importar. Brigam pelo território, como os demais aqui, pelo espaço no ar.
Um foi expulsar com tanto ímpeto o invasor, que o bebedouro foi lançado a muitos metros de distância e se quebrou. Ele andou uns dias passando á procura, até que comprei outro.

Há uns colibris micro, outros do tamanho de andorinhas, e com elas se parecem, rabinhos em tesoura.
Meu marido Eduardo, sabendo dessa minha paixão por passarinhos, veio contar-me que ouvira em uma reportagem na TV, que á noite, de tão cansados, os beija-flores desmaiam. Nada os faz acordar. Desde então, corro meu olhar nocturno pela nocturna noite - com redundância propositada -para ver se entre moitas, encontro essas maravilhas que param no ar batendo as asinhas deforma quase inacreditável, coraçãozinho batendo alucinadamente...

Tenho uma colecção de gravuras reproduzidas de beija-flores de famílias várias, pintadas pelo pintor naturalista Etiene Demonte. São de tal forma perfeitas em detalhes, que nem sei de que forma o artista pode fazê-lo. Numa delas, descrevendo o beija-flor "Bico-de-sabre" (Heliothrix aurita auriculata), o especialista Augusto Ruschi chega a atribuir emoções humanas à avezinha:

"A parada nupcial do Heliothrix se desenrola com maior destaque nas fases de apresentação e exibição de plumagem". Sei que no reino animal isso é comum. Iguaizinhos a nós, humanos...
E continua: "na apresentação, o macho, em voo de liberação, se põe diante da fêmea a 30cm, e em voo para cima, para baixo e para os lados, como se estivesse a dar pequenos saltos, pois se lança a tais distâncias, e estanca de etapa em etapa, abrindo e fechando a cauda.
Em voo acompanha a fêmea (é, parece que os machos humanos aprenderam nessa cartilha!) fazendo ascensão em rodopios, para descer a outro pouso onde se segue a fase de exibição de plumagem. Então, o macho, fazendo voos de liberação, faz saltar os tufos violeta laterais, tornando-os bem salientes, e a parte enegrecida que contorna tais tufos. Fica em constante movimento, além de abrir a cauda em leque para, de quando em quando fechá-la e abri-la, até que a fêmea, já psicologicamente conquistada, se entrega".
Entre os humanos, as mulheres usam desses artifícios de conquista. E as gueixas, com seus leques, na dança?!...
Quando me levantei para ir à pasta, buscar uma das gravuras que peguei aleatoriamente, não sabia que encontraria a resposta para a pergunta crucial: ONDE DORMEM OS BEIJA_FLORES?
O dormir é realizado em pouso, em local alto e no emaranhado da vegetação de uma copa fechada", conta Ruschi, o ornitólogo minucioso. Por isso não os encontro quando os procuro, à noite...
O desenhista Etiene ilustra o locus de observação com perfeitas cópias de vegetação...Que lindeza, meu Deus...

Noutro dia, eu queria comprar uns periquitinhos, para ter melhor de quem cuidar. Meu filho Gabriel assombrou-se e proibiu veemente. Não quer morar em um lugar onde algo esteja preso, ele que ama a natureza e a liberdade dos seres. Aquiesci. Em vão o vendedor me disse que as avezinhas coloridas já nascem em cativeiro e blá-blá-blá...
Uma vez, conheci uma senhora que deveria chamar-se D.Rolinha, tal sua semelhança: baixinha, encantadora, tão rolicinha (tão rolinha!). Peitoral arredondado e farto, que quando ia embarcar, as aeromoças gentilmente a deixavam tomar o avião na frente dos demais. Acreditavam-na grávida e ela, sorridente, aquiescia. Dulcíssima. Mas ai de quem lhe quisesse tomar o território: deu uns tapas na cara da amante do marido, brigou com todos os meninos que brigavam com seus filhos. Virava ave de rapina. Só lhe faltava o tamanho...
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25/04006
Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Texto publicado em http://laurabmartins03.blogs.sapo.pt/




Publicado por Littlehut em 10:13 PM | Comentar (2)

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